segunda-feira, 30 de julho de 2012

pontal atafona


foto: aluysio abreu barbosa


Conhecido cientificamente como transgressão marinha, desde que o avanço do mar teve início, ainda nos anos 60 do século passado, na praia de Atafona, no município de São João da Barra, muitas são as saudades que nem o oceano Atlântico conseguiu submergir. A última delas, começou a bater ontem, junto com a força das ondas que destruíram o piso do Bar do Bambu, instalado há cinco anos e meio na antiga casa de barco da família Aquino, última construção que ainda se mantinha de pé no Pontal, mágica faixa de areia entre o oceano Atlântico e o rio Paraíba do Sul, famosa por reunir no mesmo espaço veranistas, pescadores, beberrões, famílias, amantes e poetas.

Desde que Neivaldo Soares, o "Bambu", se instalou de mala e cuia na construção, há cinco anos e meio, para lá instalar sua casa e seu bar, o local serviu como ponto de encontro obrigatório e libertário para todos que buscavam o Pontal para apreciar sua inigualável beleza natural, beber uma cerveja gelada, desgutar peixe ou camarão sempre frescos e fritos na hora, além de ouvir as muitas histórias contadas pelo dono do estabelecimento. Quase sempre verborrágico, sobretudo quando aditivado por uma caninha, mesmo quando fantasiava, Neivaldo, como genuíno poeta de vida, endossava Cazuza, poeta da vida e do verbo: "Mentiras sinceras me interessam".

Foi com a poesia, aliás, que o Bar do Bambu teve seu ponto alto. No verão de 2010, com a peça "Pontal", dirigida por Kapi, interpretada por Yve Carvalho, Sidney Navarro e Artur Gomes, com poemas de Aluysio Abreu Barbosa e Adriana Medeiros (além dos próprios Kapi e Artur), com patrocínio da Prefeitura de São João da Barra, o estabelecimento conheceu seu maior público, com média de 80 pessoas por cada apresentação de quinta a domingo, que se estendeu por um mês. A partir dali, de lugar alternativo, majoritariamente buscado por jovens, o espaço passou a ser também a ser frequentado por famílias e casais de meia idade, seduzidos pela beleza natural do lugar, pela decoração originalíssima do bar, com cascos de tartaruga, mandíbulas de tubarão e ossos de baleia, e pelo papo de Neivaldo.

Despejado pelo mar, o projeto de Neivaldo agora é atravessar o rio, se mudando mais uma vez de mala e cuia para a casa que já comprou na ilha do Pessanha, segundo ilhota da foz do Paraíba, depois da ilha da Convivência, ambas pertencentes ao município vizinho de São Francisco de Itabapoana. Quanto às ondas nascidas da cruza entre Netuno e Iemanjá, que ontem encerraram o fim da sua era no Pontal, seu último filósofo respondeu com a mesma generosidade com que sempre acolheu os fregueses do seu bar: "A natureza é singular e soberana. Continuo adorando ela!"

Aluysio Abreu Barbosa

terça-feira, 17 de julho de 2012

quarta tem sarau no quarto


o Tropicalirismo de Artur Gomes
com Mário Pirata - participação especial: May Pasquetti
Dia 18 de julho de 2012 às 19h
4º andar - Sala o Retrato
Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo
Rua dos Andradas, 1223 - Porto Alegre-RS

quarta-feira, 11 de julho de 2012

curtas artur gomes com pescadores de Gargaú



Jogo de Búzios



ogum não permitiu que iansã
doasse o coração para xangô
e deu-se num trovão pela manhã
o seu amor oxossi em cada um
exu de sangue e ferro
então mandou cortar meu coração
em mais pedaços
assim se fez sem nenhum berro
por isso tens-me aqui entre os seus braços
oxalá então cantou vendo a magia
fez a terra estremecer de africania
américa quem sabe porque canto de alegria
quando choram nos meus olhos
todos mares da Bahia
fazendo um doce mar ficar oxum
um velho doce mar ficar oxum

arturgomes/paulo ciranda




Todo o Amor Que Houver Nessa Vida
Cazuza/Frejat
Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia
E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum veneno antimonotonia
E se eu achar a tua fonte escondida
Te alcanço em cheio, o mel e a ferida
E o corpo inteiro como um furacão
Boca, nuca, mão e a tua mente não
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum remédio que me dê alegria
EntriDentes


queimando em mar de fogo me registro
bem no centro do teu íntimo
lá no branco do meu nervo brota
uma onde que é de sal e líquido
procurando a porta do teu cais

teu nome já estava cravado nos meus dentes
desde quando sísifo olhava no espelho
primeiro como mar de fogo
registro vivo das primeiras eras
segundo como flor de lótus
cravado na pele da flor primavera
logo depois gravidez e parto
permitindo o Logus quando o mar quisera

arturgomes

terça-feira, 10 de julho de 2012

o mel que a gente qauer


foto; artur gomes

em minha língua o engenho
é o que engendra a fala
linguagem na usina de letras
moagem de palavras
onde o líquido caldo
escorre pela boca a dentro
na engrenagem corporal
dos músculos tesos
pelo sabor da fruta mastigada
descendo pela garganta abaixo
até que o prazer alcance
o seu estado pleno
o ápice do gozo
o êxtase
na engenharia doce
de poder provar do mel que a gente quer

arturgomes
www.artur-gomes.blogspot.com

Aldeia Grande

“É preciso dividir felicidade, é preciso interfeliz nessa cidade” – (Aljor)
  
Que grande aldeia é essa? Que  potência transformadora esse novo-homem-velho, interconectado e autônomo traz? Essas perguntas provavelmente já estão sendo respondidas de diversas formas, sob vários tipos de olhares, leis, políticas públicas (mesmo que débeis e corrompidas), por códigos formais ou informais, e que de alguma forma problematizam  e intensificam a diversidade destes tempos movimentados do agora, com sua impermanência e ressignificados .

 Tudo isso impulsiona inexoravelmente, os muitos ( velhos e novos) fazeres humanos, provocando uma espécie de rede de força sinérgica e contínua, que alimenta uma teia de  muitas diferentes formas , modos e gestos  culturais no interminável dialogo das maneiras várias.


  O homem aldeia-subúrbio-local hoje pode  amplificar seus signos, conectar suas antenas-cabeças-corpos , dinamizar seus diálogos e deixar de ser invisível ao se apoderar dessa mala de ferramentas tecnológicas (antiquíssima), que de certa forma, está mais disponível , propondo interferências e interações renovadas.
  
O homem urbano pode  deixar de ser esse indivíduo-produto-beneficiado das enormes máquinas-cidades de moer gente, pode  deixar de ser esse corpo inerte sem cabeça urbano, encaixotado em edifícios-cavernas e passar continuadamente a questionar os modelos dominantes de vida contemporânea em cidades, corroendo as fundações dessas macroestruturas capitalistas condensadas  em argamassas políticas, que domesticam  e administram seu homogeneizado cotidiano. E, ao resgatar suas múltiplas vozes  e conectá-las, como nos maravilhosos pequenos movimentos estratégicos e pedagógicos das aranhas, com suas teias incríveis que se espalham ali pelo quintal, ele também se modifica e modifica os seus ambientes.

 A Aldeia Grande é música irresponsável e poesia em experimentação, são movimentos inquietos, diversos, partindo dos múltiplos olhares suburbanos.
  
Aldeia Grande é o indivíduo-coletivo, é o homem multicultural, é a diáspora na sua dimensão planetária, é o tempo em movimento, é a reinterpretação das diversas realidades partindo do lugar, é o reconhecimento da geografia única dos ambientes  de vida comum nas periferias,é diálogo direto atemporal com as multiplicidades das configurações urbanas, é política, é arte, é Africárea, é o umbigo do planeta por onde todas coisas saem e entram infinitamente num movimento de renovação constante .
     
E mais ainda, é uma ambiência onde o agora  estará sempre ancorado na  impermanência de qualquer momento ou lugar,  é nossa memória-movimento  estampada em gestos comuns, e que permanece reinventada, como muitos toques dos tambores dos mundo, numa elipse infinita, sem tempo ou lugar .


MARKO ANDRADE
ALDEIA GRANDE